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O desmoronamento do Edifício Wilton Paes de Almeida e o que podemos aprender

Olá a todos!

 

Na qualidade de diretor da Comissão de Direito Urbanístico da OAB – Jabaquara e corretor de imóveis, não poderia deixar de me manifestar a respeito da tragédia ocorrida em 1º de maio de 2018.

O desabamento de um edifício que fora ocupado irregularmente após longo período de vacância, expõe não somente a questão das ocupações irregulares, mas também de como toda a sociedade em conjunto com todas as esferas de governo devem agir para repensar a ocupação do espaço imobiliário da cidade.

A Constituição Federal em seu artigo 182 é muito clara que a função social é um dos pilares da política de urbanismo a ser realizada por todos os municípios brasileiros.

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

Um imóvel ocioso, não cumpre nem com sua função funcional e menos ainda com sua função social. Quase sempre sem manutenção adequada, estando assim sujeito à deterioração pelo tempo, trazendo consequências tanto sociais como ambientais, uma vez que um bem imóvel em estado de deterioração também traz consigo consequências na esfera ambiental. Sem manutenção, um imóvel ocioso traz uma série de consequências de saúde pública, por exemplo, uma vez que vários componentes empregados na construção deterioram (aço, gesso, pedras, areia etc.) poluindo assim o solo, bem como trazendo infestação de ratos e insetos, que podem trazer uma série de consequências nefastas à saúde dos munícipes.

O Direito Urbanístico se preocupa com a persecução de um objeto de se criar uma cidade viável sendo que os imóveis só cumprirão com sua função social nos casos em que se destinem à trabalho, recreação ou habitação.

Bem como ocorria com o Edifício Wilton Paes de Almeida, muitos imóveis paulistanos são de grande valor histórico e arquitetônico e por isso são tombados pelos órgãos de patrimônio histórico (IPHAN, COMPRESP E CONDEPHAAT). Infelizmente isso não impede que estejam em situação de total obsolescência – não servem mais para escritórios, pois carecem de recursos para implantação de sistemas de rede e ar condicionado, bem como não foram projetados com sistemas de segurança como Sprinkler para contenção de incêndios (o que muito provavelmente evitaria a tragédia ocorrida). Dada a idade e completo abandono quanto à conservação, também não preveem itens que trazem maior eficiência para a instalação de postos de trabalho, como piso elevado e aproveitamento de luz natural. Estes ajustes agregam valor ao imóvel e melhoram sua eficiência em relação ao uso de água e energia de tal maneira que custam menos aos ocupantes e dão maior qualidade aos usuários. Pensando de forma prática, por que uma empresa faria suas instalações em um local que não traz segurança, conforto e muito menos economia? Esses são alguns dos motivos para que imóveis como esse edifício tenham sido relegados ao esquecimento.


A meu ver os tombamentos podem ser relativizados, pois um prédio histórico em ruínas, pode entrar na História não por seu valor arquitetônico, mas por ter sido pivô de uma grande tragédia.


O centro de São Paulo é provido de infraestrutura que muitos novos bairros que surgiram com a expansão da cidade não possuem.

Por exemplo, os transportes sobre trilhos: o centro é repleto de estações de Metrô e CPTM. Bairros com prédios modernos como Cidade Monções, Chácara Flora, entre outros, ainda não tem o transporte público adequado, o que leva a estas novas regiões comerciais terem um fluxo de veículos enorme, causando congestionamentos quilométricos e desta forma denegrindo a qualidade de vida do cidadão paulistano.

Um processo de revitalização da região central passaria por medidas drásticas como a demolição de prédios deteriorados, como já foi feito com o Edifício São Vito (famoso treme-treme) e de reocupação de outros com a mudança de funções. Bons exemplos disso são os prédios como o antigo Hotel Othon e Palácio do Anhangabaú (Banespinha), que hoje abrigam a Secretaria Municipal de Finanças e a Prefeitura respectivamente.

O acervo arquitetônico de São Paulo é enorme, principalmente as obras dos anos 50 e 60, de renomados arquitetos e construtores como Oscar Niemeyer, David Libeskind, João Artacho Jurado entre outros. Movimento arquitetônico este, brilhantemente relatado pelo jornalista Raul Juste Lores em sua obra “São Paulo nas Alturas”.

Em gestões de prefeituras anteriores, prédios comerciais que estavam abandonados passaram por uma adaptação para servirem como moradias sociais. Entretanto o processo foi menos cuidadoso do que deveria e muitos acabaram ficando em situação precária, similares às relatadas pelos moradores do Edifício que desmoronou. Por outro lado, temos 2 exemplos de sucesso que é a Vila dos idosos no bairro do Pari e o Palacete dos Artistas, próximo à esquina mais famosa da cidade, a das avenidas Ipiranga e São João. Este último é tido como o melhor exemplo de locação social da cidade – o prédio, inaugurado na década de 20, é um bem tombado de propriedade do Município destinado ao programa de locação social de São Paulo desde 2014. Mesmo neste caso (considerado um sucesso) o esforço dos moradores para evitar furtos, invasões e a entrada de usuário de drogas é constante.


Atualmente cerca de 33 mil famílias são beneficiadas pelo programa de auxílio-aluguel da prefeitura de São Paulo. Valor que se limita à R$ 400,00, equivalente ao cobrado de forma abusiva pelo movimento que liderou a invasão.


Cerca de 70 prédios em São Paulo estão invadidos por estes movimentos, que em sua grande maioria se aproveitam da miséria e desespero destes desabrigados, que são usados para praticar as invasões e pagam por ter um teto mesmo que em locais sem as mínimas condições de infraestrutura, higiene e muito menos segurança.

Outro ponto que devemos destacar é de que somente a União tem um patrimônio imobiliário de cerca de R$ 750 bilhões de reais e boa parte destes imóveis estão desocupados, estima-se em aproximadamente 20 mil imóveis. Além do custo para manutenção, o governo gasta anualmente outros R$ 7 bilhões em alugueis. Ou seja, além da questão habitacional, a melhora da eficiência imobiliária por parte da União, geraria benefícios da ordem fiscal.

Por oportuno, no ano de 2015 o governo federal investiu 700 milhões em habitações populares, ou seja, um décimo do que gasta com aluguéis!

Em relação aos imóveis de particulares, em São Paulo podemos notar também uma grande concentração por uma pequena parcela da população.

1% dos donos de imóveis na cidade concentra 45% do valor imobiliário de São Paulo. São R$ 749 bilhões em casas, apartamentos, terrenos e outros bens registrados no nome de 22,4 mil proprietários – os mais ricos entre 2,2 milhões de proprietários de imóveis da capital. Em dados quantitativos, isso representa 820 mil imóveis.

Ou seja, além do Estado subutilizando um ativo bilionário, temos uma série de particulares que em momentos melhores da economia especularam no mercado imobiliário. Hoje com a altíssima taxa de vacância imobiliária – que pode ser facilmente notada com a infinidade de placas de “vende-se” e “aluga-se” espalhadas pela cidade – preferem deixar os imóveis deteriorando vazios (e sujeitos a invasões) do que alugar ou vender por um preço um pouco abaixo.

O mesmo vale para os imóveis de propriedade da Estado, que quando tentam a alienação de bens imóveis são obrigados a se utilizarem de um processo burocrático e moroso de licitação, e que muitas vezes contam com avaliações acima do valor praticado de mercado. O resultado é que a grande maioria destas licitações não tem sequer um interessado na aquisição.

Nesse momento de tristeza todos os envolvidos – os Movimentos Sociais, Prefeitura, Estado, Município e proprietários particulares de imóveis vacantes – procuram os responsáveis pela tragédia. Podemos dizer que, em proporções diversas, todos são culpados.

Negligência com patrimônio (público e particular) é errada. Especulação desenfreada é errada. Invasões são erradas.

Além do regramento Constitucional, foram elaboradas uma série de leis com a finalidade de regular a urbanificação dos municípios brasileiros. Podemos citar aqui o Estatuto da Cidade (Lei no 10.257/2001), a Lei Federal da Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587/2012), o Estatuto da Metrópole (Lei nº 13.089/2015) além da obrigatoriedade de os municípios com mais de 20 mil habitantes terem que elaborar seu Plano Diretor Estratégico. Isso sem contar o programa de fomento Minha Casa, Minha Vida (Lei nº 11.977/2009) que em tese daria uma acessibilidade maior aos financiamentos imobiliários, porém limitou o programa à unidades novas e em maioria em empreendimentos distantes dos grandes centros.

São Paulo é uma das cidades que passou por um dos processos mais caóticos de urbanização de toda a História! A urbanização por si só já causa consequências danosas à coletividade – se feita de forma desordenada e desestruturada isso é agravado.

A definição do professor José Afonso da Silva em sua obra Direito Urbanístico Brasileiro (Ed. Malheiros, 6ª Edição, 2010) sobre a questão da urbanização caótica é cirúrgica ao dizer:

A urbanização gera enormes problemas. Deteriora o ambiente urbano. Provoca a desorganização social, com carência de habitação, desemprego, problemas de higiene e de saneamento básico. Modifica a utilização do solo e transforma a paisagem urbana.

A solução desses problemas obtém-se pela intervenção do Poder Público, que procura transformar o meio urbano e criar novas formas urbanas. Dá-se, então, a urbanificação, processo deliberado de correção da urbanização, consistente na renovação urbana, que é a reurbanização, ou na criação artificial de núcleos urbanos, como as cidades novas da Grã-Bretanha e Brasília. O termo “urbanificação” foi cunhado por Gaston Bardet para designar a aplicação dos princípios ao urbanismo, advertindo que a urbanização é o mal, a urbanificação é o remédio.

Tal definição aplicada à capital paulista, podemos dizer que grande parte dos imóveis que hoje estão ocupados irregularmente são frutos de um processo de urbanização predatória e de nenhuma urbanificação.

A legislação sobre o tema é vasta e deveria ser melhor aplicada.

As vítimas somos todos nós!

É dever de todos cobrar de nossos legisladores uma atuação mais certeira em uma área de importância vital à população urbana que hoje corresponde a quase 85% dos brasileiros.